A decisão do governo dos Estados Unidos de impor restrições de visto a autoridades estrangeiras acusadas de censura a cidadãos americanos não deve frear os esforços do Brasil para regulamentar o ambiente digital. A avaliação é de Renata Miele, coordenadora do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), que vê na iniciativa norte-americana um movimento que pode, na prática, reforçar o debate sobre soberania digital e a necessidade de regulação das grandes plataformas tecnológicas.
“Pode ser a escalada para reforçar a soberania do Brasil e a necessidade de regulamentação das big techs”, afirmou Miele nesta quarta-feira (28). Segundo ela, a medida anunciada pelo secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, não será motivo de recuo por parte de atores institucionais brasileiros que vêm discutindo regras para atuação de empresas como Meta e X (antigo Twitter) no país.
A nova política do Departamento de Estado prevê que indivíduos estrangeiros – incluindo autoridades públicas – que ordenem ou solicitem a remoção de conteúdos feitos por cidadãos americanos em redes sociais norte-americanas poderão ser impedidos de entrar nos Estados Unidos. A medida também se aplica a ações que afetem plataformas baseadas nos EUA, como Instagram, WhatsApp, Facebook e X.
De acordo com Miele, a medida não está diretamente ligada às articulações do deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que tem atuado nos EUA para tentar influenciar decisões contra o ministro Alexandre de Moraes, do STF, acusado de censura.
Nos bastidores, fontes do governo brasileiro minimizam o protagonismo atribuído a Eduardo Bolsonaro e apontam que a decisão de Washington está mais relacionada a pressões diretas das big techs, incomodadas com decisões judiciais brasileiras e de outros países que buscam impor limites ao funcionamento das plataformas digitais.
O cenário internacional, segundo integrantes do CGI.br, é de disputa crescente entre modelos de regulação nacional e interesses corporativos globais, em especial num contexto em que países como o Brasil e membros da União Europeia discutem legislações específicas para o ambiente digital. No caso europeu, o Digital Services Act (DSA) já enfrenta tensões similares com as grandes plataformas.
“O debate sobre liberdade de expressão não pode ser capturado por interesses privados ou usado para enfraquecer a capacidade dos Estados de proteger seus cidadãos e a ordem democrática”, afirma Miele.
A expectativa, segundo o Comitê, é de que o anúncio americano reverbere politicamente no Brasil, mas sirva mais como elemento de tensão diplomática do que como obstáculo real à tramitação de projetos como o PL das Fake News, que busca regulamentar a atuação de plataformas digitais no país.